Friday, December 15, 2006

O Lobo Que Morava Na Lua (ou o meu primeiro conto de 2006)

O Lobo Que Morava Na Lua


Era uma vez um lobo que morava na Lua. Um lobo chamado Lobo.
Lobo morava numa caixa de madeira muito grande. Na sua casa simples, apenas possuía uma prateleira onde se podiam ver alinhadas duas lombadas de livros de contos e uma pedra do solo lunar que os mantinha equilibrados. Lá fora, no meio do jardim de pedras cuidadosamente dispostas em grupos de três, encontrava-se um velho gira-discos com uma manivela de madeira. Lobo tinha o seu gira-discos no jardim porque na Lua nunca chove lá fora, e os dois livros dentro de casa porque nunca lhe apetecia ler enquanto estava no jardim.
O seu único amigo era uma pequena cratera lunar chamada Ocre. Durante muito tempo foram estes os dois únicos habitantes da Lua.
Os anos passavam envolvidos numa tranquilidade profunda, até que um dia chegou uma encomenda para o Lobo: uma caixa quadrada envolvida em papel pardo, atada com corda de mercearia e selada com lacre. O Lobo nunca tinha recebido nenhuma encomenda e por isso não podia pensar em absolutamente ninguém que lhe enviasse alguma coisa. E que coisa poderia ser? Logo tinha que lhe calhar a ele, que apreciava a sucessão dos seus dias sem sobressaltos, sem encomendas a chegar para agitar o pensamento.
Nesse dia, o Lobo decidiu que não ia abrir a caixa até que o seu cérebro parasse de formular questões sobre as diversas possibilidades do misterioso conteúdo. E assim aconteceu. Não durante esse dia, mas durante muitos, muitos dias. Com o lento passar dos dias, o Lobo até se esqueceu que a caixa alguma vez tinha chegado.
Numa manhã fria de Outono, o seu amigo Ocre lembrou o Lobo que nunca tinha chegado a abrir a misteriosa caixa. O Lobo nada disse sobre o assunto, mas pensou durante alguns minutos e tomou uma decisão: abrir nessa hora a caixa. E assim aconteceu.
Sendo Ocre uma cratera lunar, a única maneira de partilhar a surpresa da abertura era levar a caixa para perto dele. O Lobo assim fez. De seguida esfregou as patas e iniciou o processo de desembrulhar tudo. Começou pelo nó que encerrava a corda de merceeiro que envolvia a caixa ao longo de pelo menos três voltas, de seguida rasgou o papel pardo e finalmente deparou-se com uma caixa de madeira de cedro, já muito velhinha e gasta pelo tempo. Sem demora abriu-lhe o fecho e espreitou para o interior. E… eis que o seu ar de espanto surgiu num ápice. Dentro da caixa vinham umas placas fininhas, redondas e pretas, furadas ao meio e marcadas por diversos sulcos em toda a superfície. O Lobo deixou cair o ar de espanto e sentou-se sem fazer a mais pequena ideia do que eram ou para que serviam as pequenas placas com forma de bolacha gigante e pintadas de preto. Foi Ocre quem resolveu todo o enredo. Explicou ao Lobo que aquelas bolachas enormes eram na realidade discos. Discos onde estava registada música. Se os fizessem girar no aparelho que o Lobo tinha no centro do seu jardim, ia ouvir-se um conjunto de sons a que se chama música. Mistério terminado.
O Lobo não percebeu muito bem o raciocínio de Ocre mas confiava de tal forma no seu amigo que foi de imediato buscar o velho gira-discos. Ocre, que era profundamente inteligente e muito rápido a pensar, explicou ao Lobo todo o procedimento para manusear o aparelho. Assim, foi colocado o disco em cima do prato giratório e se fez correr a agulha através dos sulcos gravados no vinil de cor preta. Subitamente, um som se fez escutar. Depois outro e ainda mais um em seguida. A sucessão de sons não parou mais durante esse dia, nem nos que lhe sucederam. Ocre ensinou ao seu amigo o que era a música e os sons que a constituíam. O Lobo ficava horas em silêncio a ouvi-lo. A Ocre… e à música.
E foi assim que pela primeira vez se ouviu música na Lua.


M.

2006

No comments: