Tuesday, November 21, 2006

Sobre o fim da Festa da Música no CCB - I

Tenho dias em que me sinto profundamente envergonhado pelo país que somos hoje.
Soube esta manhã que a Festa da Música, que ocorre anualmente no CCB vai terminar. António Mega Ferreira, alega que o corte de 600 mil euros no orçamento do CCB inviabiliza a continuidade deste evento.
Não foi com espanto que recebi a notícia. Normalmente os cortes orçamentais, bem como o desaparecimento súbito de subsídios por parte do Estado Português, acabam por incidir em áreas fundamentais para a sociedade.
A Festa da Música é um evento que tem como um dos seus principais méritos a conquista de novos públicos para a música clássica, sobretudo as crianças e os jovens. Ao longo de anos, vi milhares de pais levarem os seus filhos a este evento. Vi crianças maravilhadas pelos primeiros contactos de perto com os músicos, que estão sempre ali mesmo ao pé de nós. Num corredor podemos ver um violoncelista a afinar o seu instrumento e um barítono a rever a sua partitura. Noutro, damos de caras com um dos nossos melhores pianistas ou com um maestro de renome. A música acontece à nossa volta e em todos os espaços do CCB. Só se respira música.
O preço dos bilhetes é outro enorme aliciante para que tantas pessoas se desloquem à Festa da Música (em 2006 cerca de 50 mil visitantes). Eu frequento a temporada Gulbenkian de música desde há vários anos, mas apesar do seu programa ser de altíssimo nível e sem paralelo no nosso país (a Fundação Gulbenkian é para mim o verdadeiro Ministério da Cultura), os preços são na maioria dos casos incompatíveis com o orçamento familiar da maioria dos portugueses.
A Festa da Música, ao longo de sete edições conseguiu reunir um conjunto único de factores que a transformaram no evento mais importante do nosso país no domínio da música dita erudita. Este evento transformou-se num acontecimento esperado ano após ano e era já uma pedra basilar na vida cultural do nosso país.
Agora acaba. Porquê? Porque não temos orçamento.
Neste país, a Festa da Música só poderia sobreviver se fosse a Festa do Futebol, ou de qualquer outro tipo de actividade em que se investem milhões sem qualquer tipo de retorno para o cérebro.
Porque esta é a verdadeira questão. Este é o tema que interessa abordar. Nós somos o país que somos porque a mentalidade nunca muda. A mudança de atitude de uma nação, de um povo, tem que estar intimamente ligada à cultura do mesmo. Não vale a pena esperar que os nossos filhos saibam construir um país melhor, porque nós não lhes damos as ferramentas para isso. A cultura é a base de tudo. Uma mente educada e disciplinada deve ser uma mente capaz de produzir ideias, gerar debate, criar soluções. No futuro, é provável que muitos dos nossos filhos sejam homens e mulheres com fraca capacidade empreendedora e de projecto. Mas a culpa deve pesar nas consciências de todos nós hoje, porque se acontecimentos como a Festa da Música entram para a lista de “eventos culturais em vias de extinção ou realmente extintos”, a culpa não é só do Estado e dos mecenas que ora apoiam, ora não apoiam. Os responsáveis somos todos nós, porque um estado corresponde ao somatório de todos os indivíduos que dele fazem parte.
Alguém se interessa? Alguém está disposto a mudar? Alguém ainda acredita em Portugal?

MMorgado

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